É o árido sertão cearense de sol escaldante, onde o calango torra o peito nos lajedos de macambira, o xique-xique escangota e seca, assistido por um céu azul de anil. A cigarra morena escondida na casca do marmeleiro dispara seu canto agudo ao meio dia com sol a pino. As rolinhas sangue de boi, caldo de feijão e fogo-pagô cai no visgo ou na pedra do bodoque, é presa fácil na bebida do olho d’água e na cacimba do riacho seco a cascavel serpenteia.
Jurema preta perde a folha, no velame estrala o tiú, no toco do sabiá se aninha o inhambu, a juriti arisca não escapa do laço do passarinheiro, assada tempera a farinha que mata a fome do caatingueiro e sua dúzia de doze filhos, famintos de capiau.
A rudía de dona augusta sustenta a cabaça d’água barrenta, o pote e a cuia descansa na Cantareira. Bastião pinga azeite de mamona no ouvido da espingarda soca-soca, confere as espoletas e fogueteiro no imborná. Vai se esguia pelas sombras da maniçoba na direção do ingá, á espera do jacú, queixada ou preá, tira um naco do fumo de rolo e começa a mascar, sem presa e silencioso deixa o tempo passar, pensa consigo - pelo menos um saruê para casa tenho que levar.
Mais um ano sem chuva, sem roça e sem esperança, o meninos buxudo,tem a canela e pescoço fino, lambe um taco de rapadura com pena de acabar,corre descalço cheio de verme e fome, na casa grande sinhá mocinha lhe ensina o B- A BÀ na cartilha do Mobral.
Passou dia 19 de março dia de São José padroeiro da cabruêra, os sinais não são bons, as pedras de sal amanheceram enxutas, expostas ficaram toda madrugada a espera do orvalho pra molhar, molhar o sal é molhar a fé que faz o sertanejo plantar semente e esperança na terra seca, seca como língua de papagaio amanhece as pedras de sal, profetizando uma grande estiagem.
Bastião olha pro céu como se fizesse uma prece, mas não lhe sai uma palavra se quer, sua vista se escurece o suor escorre em bica se mistura á lagrima que dos olhos desce, é uma enxurrada que rola pela sua face e rompe ao chão, pesada como uma bala de canhão. Com o dorso das mãos limpa as ventas cabra que é macho não chora não, olha pros lados pra ver se alguém lhe ver... Besteira Bastião, tu chora por que tem sentimento bom dentro deste coração, se avie homem! Vixe, será que endoidei, quem falou?
As palavras de alento são frutos da sua imaginação, única companheira fiel na horas de aflição, ela ajuda Bastião pensar, no seus pensamentos lhe anima, não deixa o cabra esmorecer, ele ouve a voz da essência do seu ser, e isso que o faz acreditar,do seu intimo tira força que o impulsiona andar, andar, andar e não parar pra pensar em desistir, abandonar esse torrão? não,jamais! Deus vai me ajudar é aqui.
Volta a tapera de chão batido na costela do serrote, o velho juazeiro faz sombra para os pássaros e animais, jupy cachorro de caça, de fome não caça nada, dorme com o focinho em cima das patas esqueléticas, ao sentir o cheiro do dono corre caxingando ao encontro de Bastião, suas costelas dá pra tocar birimbau de tão magro que está. A fumaça branca sai da chaminé pra se perder no infinito, um toco de aroeira arde na trempe enquanto a panela de barro ferve e serve de ring para poucos grão de feijão se esbofetar no reboliço da vervura. Encostada no giral sem alento Dona Augusta tem seu olhar inquieto na janela que dar pra rodagem, busca ver seu nêgo, quem disse que aqui não tem amor?