AFRO SERTANEJO
ME ACOSTUMEI COM OS COSTUMES DE PAPAI.
Escutei muito meu velho dizer “você precisa se acostumar”, era o jeitão dele me ensinar a fazer as coisas, era quase uma reza, que me norteava no fazer das tarefas, com cuidado e com zelo, tudo que eu ia fazer não podia ser feito de qualquer jeito.
Por isso fui acostumado (fui educado) a fazer as coisas com muita dedicação. Quem me escuta pode pensar que os métodos de papai eram repetitivos e de memorização, não, meu “mestre” foi um homem analfabeto, da roça, sua metodologia era a simplicidade e honestidade.
Sempre falo que “Educação Roceira não é uma Educação Grosseira”, é uma educação para a vida. Meu pai tinha uma sabedoria matuta que me ensinava através do relacionamento, das trocas, ele me perguntava primeiro o que eu sabia fazer, para depois me mostrar como ele fazia, isso no trato com as coisas da roça, com os animais.
Hoje tento resgatar sua educação na vida da nossa juventude, através da solidariedade e do amor, sem saber ler ou escrever ele me deixou marcas, ele marcou a tabua do meu coração, tenho clareza disso, pode ser que eu não faça tudo que amo fazer, mas amo tudo que faço.
Papai foi meu grande facilitador, não só falava, mas me mostrava na pratica como devia ser feito, nem por isso deixou de respeitar minhas decisões e deficiências. Inúmeras vezes ele descrevia como terminaria minhas iniciativas, com seu jeito costumeiro de matuto, era um sabedor de coisas. (Hoje eu diria um sábio, profeta meu sacerdote).
Se diz no popular que educação vem de berço, brinco, que para nós campesinos (sertanejos) que dormimos em redes não temos educação. Isso é uma brincadeira! Eu vejo a educação do meu pai como uma “ensinança” que moldou meu caráter com princípios e valores, no praticar, solidariedade, cooperação e respeito ao próximo. Como ensina outro mestre “Jesus Cristo” (ame a teu próximo como a ti mesmo).
Na nossa região dos Inhamuns, para sobreviver era necessário aprender a conviver é viver em comunidade, “com-unidade”, uma grande família. Todos se conheciam, não tinha segredos, nossas vidas era um livro aberto.
Nosso convívio com a natureza, aprendemos a cuidar do ambiente como um todo, respirar o ar puro nas caminhadas, a falta de transporte coletivo me garantiu uma qualidade de vida invejável com minhas andanças.
Alimentação saudável, hoje conheço como orgânica, tomava café da manhã com leite puro, café moído na hora e pão caseiro, cuscuz, macaxeira e um taco de queijo de qualho.
As verduras cultivadas no quintal sem nenhum agrotóxico, milho, feijão, fava, mandioca para fazer farinha e cana para fazer melado e rapadura, tudo com fartura quando havia chuva.
Tínhamos criação de galinha, porco, cabras e ovelhas era uma atividade muito comum para consumo da nossa família, comíamos carne uma ou duas vezes por mês. Lembro de quando meu pai matava uma criação, era um dia especial, onde todos celebravam, ele me mandava levar um pedaço de carne para cada vizinho e depois disso me mãe preparava nosso almoço, geralmente almoçávamos entre 11:30 ao 12:00 o que dava a nítida sensação que estávamos almoçando juntos com toda vizinhança, se não era na mesma mesa, mas a comida era a mesma para todos.
Como livro aberto era nossa vida, era só perguntar por uma pessoa que o cidadão já apontava a casa e fornecia inclusive informações do tipo: é a viúva do fulano de tal. Ou é o filho de beltrano, que é neto de sicrano.
Fui criado no meio de pessoas simples, mas de coração grande que recebia os visitante de forma hospitaleira, era costume colocar na mesa o de melhor que se tinha em casa.
A rotina das donas de casa era completamente diferente de tudo que vejo hoje nas metrópoles. Acordam e dormem muito cedo, não enfrentam os congestionamentos no trânsito pela manhã, porque os filhos vão em grupos para a escola. Não correm para a padaria para preparar a refeição matinal, porque consomem pão caseiro feito uma vez por semana.
Nossos rios quando tem água na estação de chuva, nos alegrava com a fartura de água e peixes, pescávamos o suficiente para o sustento da família, não tinha ganância de pescar para vender e ter dinheiro.
“A vida simples é boa”.