POESIA COMO ARMA DE ENFRENTAMENTO
Me acostumei a ouvir o silencio. A inspiração me deu poesias em situações adversas, quando não tinha o que e nem com quem falar, em casos de extrema angustia, minha, ou de pessoas próximas e do meu convívio.
Pode até ser controverso, mas o cárcere foi para mim um grande inspirador, foi um celeiro imagético, canteiro poético germinando minhas lembranças e memoria, afloradas entalhadas pelo bico de uma caneta. Lutei, relutei para não perder minha grande riqueza, os fragmentos da minha história, não sabia que esses fragmentos me ajudariam voltar de um caminho sem volta, pela memoria. Voltei e cá estou...
A ausência de tudo me tornou criador na abundância do nada, os delírios, a piração, o colorido sem forma da zonzeira, entre os picos mais altos de ansiedade, espasmos do cérebro, miríades de imagens e desejos, sensações de bem-estar e medos, trafegavam em minha mente na velocidade do pensamento. Essa louca loucura das drogas me trouxeram um entorpecimento da mente, as alucinações nunca me deram inspiração, não trouxeram momentos de liberdade em nada me libertou, só me aprisionava.
Como mosaico, flashes de imagens e lembranças de minha infância surge na memória, parado no tempo, agora com bastante tempo para remontar minha história, na realidade nua e crua, da frieza da cela, a dureza das grades não me deixam passar, mas não me impedia de viajar.
Nos corredores dos pavilhões, celas cheias de almas vazias, amontoadas, zumbizadas, vidas mortificadas da sua melhor humanidade, lentamente robotizadas pelo sistema. Entendi. A maior prisão sem dúvida é a alienação, a tortura em processo de destilação é um conta gotas do veneno de amargura, que desfigura a memória, sem história a alma morre, as doses diárias de ódio mutilam os sentimentos e a vida, transformando pessoas em monstros, criados e aperfeiçoados para a maldade.
O tempo é lento, 10, 15 anos não importa, qualquer dia é muito tempo dentro de uma prisão. A limitação de espaço físico não se relaciona com o espaço atemporal, espremidos como sardinhas em latinhas, vivem tubarões do crime e a ralé dos pequenos delitos, aqui não convivem o escalão do colarinho branco, a espécie do crime elitizado, do crime organizado contra pessoa, que rouba, a saúde, a educação, rouba os direitos dos inocentes.
As regras no código de conduta interna, é um conjunto de normas desconhecidas da nossa constituição, mas são leis que regem o território, no submundo, as leis são sub-humanas, ninguém se atreve a burlá-las, são executadas na pior forma da palavra pelos foras da Lei.
Nesse o panorama hostil, sem ambiente eu vivi 3.650 dias, uma eternidade. Me atrevi a lutar para não me acostumar com esse lugar. Fugir. Eu acreditava que só precisava fugir e fugi, mas não conseguia fugi de mim, estar em liberdade, não significava que eu estava livre. O desejo de liberdade, me deixou livre para me recriar em personagens, com elegância burlava a vigilância, quem iria desconfiar? com óculos de descanso e aparência de um intelectual, passeava pelas páginas amareladas de alguns livros velhos, além das histórias romanceadas, particularmente me interessava pela forma das letras, que depois eu as recriava em minhas cartas para minha amada. Enquanto lia, não perdia de vista os passos dos guardas da muralha.
Conheci a ilha de Amorgos, arquipélago no Mar Egeu na Grécia, Andaluzia banhada pelo oceano atlântico e Mar Mediterrâneo, entre outros lugares que a literatura me levou a conhecer, nos contos de ficção, andei por diversos cantos e lugares, conheci países, tive aulas de etiquetas, pintura e até auto ajuda, conheci o espiritismo e outras religiões, eu ainda não conhecia Deus, mas, achava tudo meio sem sentido, não me via parte de nenhum grupo, não sou religioso, gosto de ser livre, as religiões na maioria, engessa, distancia pessoas, quando não as torna intolerantes, fanáticas ou extremistas.
A leitura me levou a conhecer e buscar intimidade com Deus, o Deus Pai que ama seus filhos, Deus escolheu ser amado no nosso próximo. Conhecer Ele me ajudou a transitar por lugares sombrios, becos, vielas, celas e pavilhões sem me assombrar com a escuridão, minha coragem não vem de uma arma na mão, Deus me fez entender que, o que tira o medo da escuridão é a luz, Ele me ensinou ser luz e andar na luz, é ser a vista do que não enxerga, ser a voz do inocente, ou seja, ter luz é praticar atos de justiça, a poesia foi uma grande ferramenta para arrancar de mim pela ponta da caneta, muitas gotas de decepções e raiva, mas também discorreu a beleza da verdade dos meus sentimentos.
A poesia ocupa um lugar especial em minha vida, o poeta diz do que lhe é próprio, sua verdade e a verdade da sua comunidade, a poesia me deu autonomia para ser o que eu sou. Livre, nas minhas convicções. Só tenho uma certeza, tenho muito que aprender no trato com as pessoas.
A arte de ouvi, como é difícil saber ouvir, aprender exercitar a escuta, muitas vezes e não poucas é preciso saber escutar o silencio do silenciado, ouvir calado, sentir em silencio é ouvir com o coração.